8 de junho de 2017

Klaus. Felipe Nunes (Polvo)

Este livro foi celebrado devido à idade do autor quando da sua publicação (19 anos) e, claro, alguns dos prémios ou atenções angariadas por esta sua conquista de elaborar uma narrativa coesa, concentrada, de mais de 100 páginas. Considerá-lo um “romance”, gráfico ou não, parece-nos ser algo hiperbolizado, devido à sua estrutura narrativa e à organização actancial das suas personagens e eventos. Nem sequer poderia ser descrito como novela, do ponto de vista literário, sendo antes um conto, o que não retira de forma alguma os contornos do que consegue cumprir nas suas pranchas. (Mais) 

Esta é uma história cuja estrutura e razão é simples. Klaus é um jovem adolescente, para todos os efeitos humano, mas que vive num mundo povoado por animais antropomorfizados no qual esse conceito, não sendo desconhecido, é estrangeiro. Através de um qualquer mecanismo fantástico, compreendemos que este é um mundo paralelo ao “nosso”, e que uma passagem terá ocorrido no passado, há dezasseis anos. Filho de um casal de tigres, a questão motriz do conto e que dá então a parte de complexidade ao livro é a crise de identidade do jovem Klaus.

Se bem que os instrumentos são as da clareza e limpidez de uma fábula, Felipe Nunes explora nesta história aquelas crises pelas quais todos os adolescentes atravessam, a de uma crise de valores, de relacionamento intergeracional e até mesmo de embates de personalidade que ocorrem entre si mesmos e os seus progenitores. No caso presente, vem misturar-se com uma fantasia comum, infantil, de que os nossos pais não o são, e que a nossa origem se prende a uma outra realidade paralela que, claro está, nos oferece um conforto de fantasia, e um mundo melhor onde tudo estaria resolvido. A metáfora aqui transforma-se então numa pequena saga de enganos, mal-entendidos, mas se que os elementos se tornem demasiado explícitos ou acabados. Na verdade, nunca teremos respostas definitivas sobre se a ideia de Klaus é verdadeira, se a origem imaginada é real, se as explicações dos pais são tangíveis. Ao leitor incauto, as imagens poderão dar uma resposta óbvia, mas as emoções, se escavadas e compreendidas com maior atenção, poderão revelar ambiguidades maiores.

O livro ganha a sua força particular precisamente nos momentos dos não-ditos, em que as tensões entre Klaus e os seus colegas de escola, ou as pequenas pesquisas e reflexões a que se entregam lançam várias linhas de interpretação para todas as acções que faz, passadas e futuras, e, sobretudo, a profunda transformação que observamos tecer-se ao longo do livro. E é essa mudança que, cumprindo o coração de Klaus, torna a leitura do livro surpreendente na sua simplicidade.

O autor é detentor de uma assinatura gráfica muito gestual, de uma estilização rápida e devedora de uma série de tradições clássicas da banda desenhada para o público infantil. Existindo algumas limitações (vejam-se as figuras humanas no fim), elas disfarçam-se bem na prestação dos animais e do pequeno Klaus ao longo das páginas, com os seus cenários mínimos e uma composição de página basilar, mas nada intrusiva na legibilidade das acções. Assistente dos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, o autor colherá lições de vários quadrantes, seguramente, mas Klaus providencia um quadro coeso deste seu primeiro gesto criativo.

Pequena rábula sobre a forma de procurarmos respostas sobre quem somos um pouco mais além dos círculo familiar, esta é uma pequena adenda à colecção de autores brasileiros contemporâneos que têm entrado no circuito português.

Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do volume.  

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