1 de abril de 2017

Silent Agitators. Kent Worcester (auto-edição)

Já nos havíamos cruzado neste espaço com Worcester por ocasião do volume por si co-editados, AComics Studies Reader, se bem que ele tem trabalhado noutros projectos associados à banda desenhada (o volume dedicado a Peter Kuper na colecção Conversations da UPM, um The Superhero Reader, etc.). Este título é uma auto-edição de toda uma série de pequenos artigos, quase uma trintena de entradas, que foram publicadas na New Politics (que é publicada duas vezes por ano) entre 2003 e 2016. Esta secção, intitulada “Word and Pictures”, permitiu a Worcester uma exploração inclusiva do tipo de trabalhos abordados, mas sempre sob uma mesma perspectiva. Como explica na introdução, com vista a uma certa “correcção” em relação ao tipo de objectos maioritariamente estudados na academia – o círculo dos Estudos de Banda Desenhada, para o qual ele próprio tem contribuído, afinal -, pretende aqui focar-se sobretudo em trabalhos de natureza política. Combativa, directa, endereçada, sejam caricaturas, cartoons ou banda desenhada (ficcional ou não), toda esta produção visa, como implica o título do livrinho, “agitar”. (Mais) 

Estes artigos consistem em perfis de artistas individuais, alguns históricos e outros contemporâneos, casos estes em que se incluem algumas entrevistas curtas mas incisivas, alguns outros sendo antes de temáticas mais abrangentes - “Cartoonistas iídiches” ou “Cartoons antibelicistas” -, e outros ainda dedicados a personagens particulares - Robin Hood e Womer Woman -, muitas vezes partindo da crítica (review) de volumes publicados sobre esses mesmos temas. Por exemplo, o artigo sobre a Mulher Maravilha, escrito no Verão de 2015, é um balanço da leitura dos livros dedicados à personagem de Noah Berlatsky, Tim Hanley e Jill Lepore, que haviam sido publicados um pouco antes, em sucessão.

Há mesmo casos em que é um autor a participar com uma peça curta, à guisa de apresentação própria (Greg Cook estreando-se nestas andanças). Um dos aspectos produtivos e estimulantes desta selecção, quiçá ditada pelas circunstâncias do momento mas igualmente ditadas por um genuíno interesse em demonstrar como este diálogo deve ultrapassar fronteiras e categorias apriorísticas, é que se englobam desde autores particularmente famosos do cartoon editorial (Art Young e Carlo, por exemplo) ou da banda desenhada (como Harvey Pekar, Daniel Clowes e Seth Tobocman), mas igualmente nomes de autores jovens ou estreantes (então, pelo menos) explorando os mesmos territórios combativos. Essa diversidade é manifesta igualmente nessa mesma expressão política: “Apesar de muitos dos contribuintes para este livro se descreverem a si mesmos como socialistas [no sentido americano do termo, i.e, um sinónimo de “de esquerda”], outros poderão antes preferir termos como radicais, anarquistas, feministas e/ou marxistas. Alguns até se poderão chamar a si mesmos de liberais. Alguns são activistas, outros cínicos.” (nosso itálico; pg. 5). Isto poderia levar a um tema constantemente debatido, sobre a destreza e beleza do cartoon político ser uma esteira da esquerda mais do que a direita, ideia defendida por Eugene Debs num curto ensaio final, o que, corroborado por um número esmagador de mestres nesse sinal e até na eficácia dos gestos (Daumier, Cham, Nast, os autores de The Masses, L’Assiette au Beurre, Simplicissimus, etc.) poderá ter os seus contra-exemplos, mas este gesto editorial aponta sobretudo a essa grande família.

Se não haverá dúvida de que existem critérios estéticos que julgaram as escolhas (sobretudo as dos autores mais jovens, onde não existe o apoio do consenso de recepção), a verdade é que o valor maior das obras “descobertas” se prende à da liberdade política. Isto é, à do posicionamento dos autores perante a realidade, seja ela na apreciação da história desse mesmo combate (a biografia de Frank H. Little feita por Nicole Schulman, ou a de Isadora Duncan por Sabrina Jones, já uma veterana, ou The Adventures of Unemployed Man, de que também falámos na altura) ou na leitura do tecido social hodierno (How to Succedd at Globalization e El Fisgón, como um excelente ensaio satírico sobre o capitalismo actual, uma espécie de Dol, de Squarzoni, mas de uma pespectiva sul-americana e mergulhada no sarcasmo).

Mas depois, com as colagens de Amy Pryor, temos dimensões radicalmente diferentes, mais “visuais” e “artísticas”, mas que ainda assim permitem um balanço e recordação de outros nomes que empregaram os seus precisos e apurados sentidos estéticos para o combate político – um casamento que nem sempre foi feliz, pois como Jan Baetens diz algures, nem sempre as agendas progressistas foram servidas por um apurado sentido estético. Sue Coe, Raymond Pettibon, Barbara Kruger, Jenny Holzer são apenas alguns dos nomes que servem de substrato contextualizante à obra de Pryor, e ao mesmo tempo serve de filtro a uma compreensão da criação de imagens com um propósito político de uma forma muito alargada.

Os textos são bastante curtos e servem mais de brevíssima introdução à vida e carreira dos autores. No caso dos autores vivos, são excelentes introduções e enquadramentos dos seus trabalhos, cujos exemplos incluídos são suficientemente claros para compreender a sua natureza e, quem sabe, incentivar o leitor a procurar mais trabalhos. Não serão certamente introduções completas e exaustivas, já que o foco é exclusivamente nos contornos políticos dessa mesma obra, e poderá não mencionar, ou pelo menos secundarizar, outro tipo de produções do mesmo autor.

Mas, tal como mencionámos a propósito da escrita de Groensteen no seu último livro, é nos comentários laterais que Worcester vai demonstrando a sua óptima capacidade de contextualização contemporânea, comparação histórica, e formas de análise, que sublinham uma qualquer característica que nos permitirá não apenas ler melhor a obra em questão como compreender um novo instrumento ao qual devemos estar atentos num próximo exemplo.

O título em si vem de uma prática antiga de várias organizações laborais, que utilizavam pequenos panfletos colados um pouco por todo o tecido urbano, mais tarde autocolantes, e que prevêem a cultura do stick-bombing mais contemporâneo, mas sempre com um intuito de divulgação de forças de resistência (organização sindical, movimentos grevistas, divulgação de crimes económicos, instâncias ao anti-militarismo, etc.). Se não tem o valor de uma enciclopédia, é pelo menos uma família estimulante à abrangência desta expressão.

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