6 de agosto de 2016

Os contos do Planta no. 1. Gustavo Ravaglio (auto-edição)

Este pequeno volume parece ter vários propósitos. O autor, alimentando a ambição de uma obra de maior fôlego com as mesmas personagens há algum tempo, encontra nesta história de uma trintena de páginas uma oportunidade de providenciar um público mais vasto com a apresentação dessas mesmas personagens. Dessa forma, poderia ser visto como uma primeira abordagem, a nível de recepção crítica, comercial e até, bem vistas as coisas, para a própria experiência do autor em produzir de modo completo a publicação. (Mais) 

Este primeiro volume dos Contos é, portanto, fora das redes sociais, a primeira apresentação da personagem Planta, uma criatura vegetal com capacidade de pensamento e movimentos aparentados aos de um ser humano, e parece prometer-se como uma espécie de herói das suas narrativas. Porém, apesar de haver toda uma série de géneros e territórios criativos com os quais se aparenta ou cria redes intertextuais e de referência, ele pautar-se-á sobretudo por gestos de diálogo, compreensão, humor e cooperação, e não por acções heróicas de violência ou sacrifícios.

Pela própria configuração do personagem, o Planta recordará alguns leitores de personagens tais como Earthworm Jim ou Johann Kraus, do BPRD, no sentido em que temos um contorno de corpo aparentemente humano mas animado por algo que não o é totalmente. O Planta inicia-se tão-somente como um broto mais inteligente e curioso que os demais companheiros de relvado, dado a sonhos de grandeza e aventuras. Graças a uma arcana tecnologia, o Doutor Mantis (que parece um louva-a-Deus antropomorfo) entabula uma relação com essa planta e desenvolve-lhe um corpo que lhe permite não apenas a locomoção tão desejada, como a capacidade dar início então às tais aventuras projectadas. Este volume mostrará, então, apenas uma delas, simples, concentrada e abrirá espaço ao seu mundo diegético. 

Sentimos, porém, que o wordbuilding, pelo menos aquele mostrado neste número, é ainda algo tímido. Não apenas parte da informação é apresentada sob a forma de uma introdução textual, e não integrada na narrativa de banda desenhada ela-mesma, como as tentativas de criar as redes de relações dinâmicas – o Doutor Mantis, a presença de Preben Schwane, uma personagem aproveitada dos contos de Andersen mas transmutada aqui numa espécie de figura tutelar fantástica e mágica – nem sempre são reveladas de modo completo. Todavia, estamos em crer que este primeiro gesto serve simplesmente como test drive, e que parte dos segredos, passos da relação, missão e ensejos de todas as personagens possam vir a ser revelados noutros números ou no romance já anunciado.

Como o próprio título indica, trata-se de um conto, e nesse sentido, essa unidade é respeitada. Há uma unidade de acção, de tempo e lugar, que a torna uma espécie de fábula mágica para um público alargado, inclusive um público mais jovem. A inclusão de outras personagens, todas animais da floresta, e uma criatura tremebunda feita a partir de cogumelos, faz imaginar toda uma série de reinos separados e que poderão instigar rivalidades e colaborações curiosas (de certa forma, recordando o que acontecia com os reinos do Verde, do Vermelho, do Cinzento, do Podre, etc., na DC, mas com um carácter mais singelo). Mas a linearidade da história, a apresentação sucessiva de etapas, a expectativa dos conflitos e a resolução por mecanismos ex machina vêem reforçar a qualidade de conto tradicional infantil. De todo o modo, esta narrativa, cujo título específico é “Shitakes não nascem em tumbas”, parece querer mostrar-se como apresentação das personagens, plataforma da capacidade de colaboração entre elas, e providenciar um simples conto de final feliz e até humorístico.     

Adicionar legenda
Ravaglio é detentor de um trabalho gráfico de grande diversidade, e grande parte da sua força reside num trabalho burilado de linha, de grandes pormenores e de moldar a grafite em formas próximo da gravura, deixando visíveis densidades várias e planos diferentes (veja-se este exemplo de uma página para o romance previsto, Um bípede entre plantas, enviada com gentileza pelo autor). A opção deste livro, porém, é a de lançar desenhos mais suaves, e depois coloridos de forma diáfana, mas diversa, recordando lápis de cor e delicadas passagens de aguarela. O que parece adequado á natureza precisa do conto. Há uma ligeira discrepância entre os momentos de apresentação mais dramáticos, barrocos de pormenor e composições vistosas, e outros momentos mais de passagem, digamos assim, em que se encurtam os processos de desenho e simplificam as formas. Mas a ideia de ter essa diversidade explica-se pelos diferentes ambientes, até mesmo aos flahshbacks, e não de haver coerência. 

O autor, de resto, tem um sentido diversificado do arranjo possível das páginas e até das técnicas possíveis para tornar o objecto visual e materialmente rico. Uma dessas técnicas, de grande carácter apelativo, é o uso de uma capa dura – separada da publicação, mas a ela unida por um elástico - em impressão lenticular, em que a ilustração do protagonista ganha uma ilusória tridimensionalidade, com os vários objectos em planos diferenciados. A opção de o mostrar sentado, segurando o que parece ser um ramo sem folhas e arrancado, dá-lhe um carácter melancólico e pensativo, como se se tratasse de um eco d’O pensador de Rodin, o que, se diminui o carácter dramático, aumenta porém a ideia da natureza das histórias que se esperam, já que algo em “Shitakes”, msmo no meui da aventura, que não deixa de revelar algo menos feliz… Esperaremos uma senda à la monstro de Frankenstein, em que é mais dolorosa a busca pela identidade do que as acções cumpridas? Veremos.

Já a contracapa e as colunas laterais mostram pequenos efeitos animados muito interessantes, enriquecendo a experiência de uma forma inusitada e próximos da natureza de divertimento que também Contos cumpre.
Nota final: agradecimentos ao autor, pela oferta da publicação.

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