11 de agosto de 2015

Vários títulos. AAVV (Studio Pilar)

Conforme indicado ontem, gostaríamos de fazer uma breve apresentação de alguns dos objectos mais próximos ao livresco produzidos pela plataforma Studio Pilar, da Itália. Apesar de existirem outros produtos, como colecções de desenhos, calendários, sacos de pano impressos, marcadores, etc. focámos a nossa atenção nos livros que mais próximos estariam de uma ideia tradicional de banda desenhada (ou territórios contíguos).

Mais uma vez, esta atenção foi conduzida principalmente pela participação de Amanda Baeza num dos projectos, a saber, Cocktails, que parece estar a ser trabalhada numa tetralogia, cujos dois volumes já disponíveis se sub-titulam Pre-Dinner e After-Dinner, participando a autora no XXX volume. Ambos tratam-se de antologias de banda desenhada em formato A5, impresso a quatro cores, e com trabalhos muito diversos mas todos subsumíveis a uma tendência de estilos angulosos, coloridos em zonas planas, contrastantes e vibrantes, altamente estilizados, com composições inusitadas e dinâmicas na sua distribuição geométrica e de humores variáveis mas que se prestam mais à experimentação formal e desvios culturais do que propriamente à “veia literária” que tem sido alimentada cada vez mais, em modo de recuperação ou genuinamente, pelas grandes editoras. Existem algumas excepções a esta tendência, como Andrea Mongia e Giulia Tomai, que têm uma abordagem de lápis de cor muito delicados, e de imagens cheias de texturas e padrões que recordam algumas tendências de uma ilustração antiquada, mas belíssima, ou Alberto Fiocco, que parece recuperar a ilustração em pochoir da publicidade dos anos 1930 para criar uma sucessão de imagens, splash pages ou cenas ambientais, para criar a sua peça, em jeito de homenagem ao Padrinho, do Coppola.

A estrutura é formal e temática. Cada volume conta com a presença de seis artistas, a trabalhar a solo, e as histórias – todas de cinco páginas, mais a “de rosto” - têm como ponto de partida um qualquer cocktail (cuja receita é apresentado logo ao início), que pode ser integrado ou mencionado como os autores desejarem. Assim, passa-nos uma galeria – ou um balcão – no qual se enfilam Negronis, Manhattans, White Russians e Stingers – mas as histórias em si podem estar menos ou mais construídas em torno dessas mesmas bebidas. Se há casos onde a bebida é mostrada no momento da sua confecção, há outras em que nem sequer surgem, e é pedido ao leitor um maior poder de associação ou de resolução dessa unidade. Inevitavelmente talvez, muitas das histórias envolvem histórias de amor, felizes ou dramáticas, lineares ou em triângulos amorosos, e ancoradas ora na mais arrumada das realidades ora mergulhada em fantasia absurda. E se há casos em que a beleza das imagens toma conta de todo o programa narrativo (Fiocco, Mongia, Deflorian), há outros em que em cinco páginas se criam situações muito bem estruturadas e surpreendentes do ponto de vista da intriga (Andrea Chronopoulos). Mais uma vez, a publicação providencia legendas em italiano ou inglês, conforme a necessidade, desobstaculizando a questão da “barreira linguística”

Estando a metade do projecto, talvez seja cedo demais para dizer que a esmagadora maioria dos autores são italianos, mas parece ser esse o caminho natural. A esmagadora maioria dos autores são-nos desconhecidos, com poucas excepções, como Anna Deflorian, mas quase todos têm criado trabalho espalhado em antologias, projectos a solo nas mais diversas colaborações daquele círculo a que fizemos menção no texto anterior, muito ao de leve. Mas encontraremos outras nacionalidades, como no caso de Baeza (que rapta o tema para territórios totalmente inóspitos e políticos) ou a britânica Lauren Humphrey.

Um outro livrinho é The Meeting, um projecto a solo de Chronopoulos, que parece retomar dois ingredientes da sua história de Cocktails: a intriga de espiões e as bebidas. Este é um livrinho muito pequeno, A6, com uma dezena de pranchas e um verdadeiro tour de force no que diz respeito à equação do minimalismo formal e da complexidade narrativa. A única coisa que vemos são as cabeças das quatro personagens, cada qual falando à vez e ocupando um “tempo de antena” linear e irrepetível: dois espiões norte-americanos, o “Presidente” e um outro espião. O sub-título do livro aponta para uma data e um lugar, o que pode ajudar a criar uma ambientação maior em termos de contexto e referência, mas, não se tratando propriamente de uma trama complexa, é graças aos diálogos entre as personagens que as relações entre si, o âmbito da acção e do tempo se vai expandindo, criando mesmo uma pequena curva de acontecimentos concentrada neste encontro que testemunhamos. Curioso e brilhantemente conseguido.

Finalmente, Suicide Pilar é um brinquedo. Este livro maior, sensivelmente maior do que A4, e de papel de maior gramagem, robusto, apresenta sete desenhos (um deles em spread) de sete raparigas em fato de banho. Além disso, é-nos ofertada um par de outras folhas com dezenas de outros pequenos desenhos estilizados (uma matrioska, uma mulher cavalgando um unicórnio, palavras soltas, uma sereia, uma soqueira, um tipi, uma rosa, uma aranha, um coração em chamas, um conjunto de ases, etc.) em autocolantes e que servirão de “tatuagens” a essas moças. Desta forma, podemos criar a nossa própria galeria pessoal de “Suicide Girls”, já que a referência a esse famoso site é claríssima, explícita. Poderíamos criar uma crítica com contornos de descontrução informada pelos estudos culturais e salientar como esta criação aumenta o grau de objectificação do corpo feminino, e para mais, da commodification e comercialização crassa da decoração corporal e da apropriação da cultura das tatuagens, antes sinal de subversão, resistência ou marginalidade consciente, em mais um objecto de integração e banalização cultural, enfim, a Starbuckização de tudo, mas a verdade é que é um brinquedo cool. Que fazer? A resistência é fútil.

Nota final: agradecimentos a Amanda Baeza, por nos ter apresentado este projecto, e à editora, pela rapidez de resposta à aquisição das publicações. Imagens retiradas do site da editora.  

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