5 de abril de 2012

Alan Moore. Conversations. Eric Berlatsky (ed.). (University Press of Mississippi)

Este volume faz parte de uma colecção que dá voz directa aos autores de banda desenhada, já tendo publicando antes entrevistas editadas de Carl Barks, Will Eisner, Mort Walker e outros. Até à data, todos homens, e, salvo seja, todos norte-americanos, sendo portanto esta a primeira vez que se abre o leque a um autor estrangeiro. Mesmo assim, é impossível não considerar Moore como um autor cujo contributo decisivo se fez sobretudo no seio da indústria norte-americana (mesmo alguns dos seus títulos no Reino Unido, como Marvelman/Miracleman ou V for Vendetta, respondiam a géneros ou mecanismos instituídos pelos EUA).
Como já havíamos notado, Moore é um autor alvo de muitos livros e estudos, tal como o recente Storyteller. Sendo esta uma colecção - mas não “mera” - de entrevistas dadas pelo autor, é possível que aqueles que tenham acompanhado essa bibliografia não encontrem aqui muitas novas informações, mas encontrarão pelo menos, concentradas, novas abordagens, e para mais, na voz, como dissemos, directa, do próprio autor. Há sem dúvida um indelével “valor e utilidade numa colecção de entrevistas que atravessam a carreira de Moore ao longo de trinta anos” (pg. xiii), entrevistas tão recuadas quanto 1981, feita pelo próprio David Lloyd quando ambos trabalhavam em V for Vendetta, até 2009, em que se discutem leituras, influências, posicionamentos face ao mercado, às adaptações cinematográficas (desastrosas e desfiguradoras) do seu trabalho e o seu novo romance ainda a ser escrito, mas há muito aguardado, Jerusalem.
É natural que o interesse por autores como Moore (e Kirby, e Morrison, e McCay, conforme volumes académicos publicados há pouco e de que daremos conta atempadamente) se vejam multiplicados em várias frentes e vertentes, tendo em conta o tipo de impacto e resposta popular que eles engendram. É verdade que num panorama mais alargado e equilibrado, também haveria monografias dedicadas a outros nomes menos populares mas tão impactantes e significativos na proliferação de vozes e valores na banda desenhada, por hipótese, e para falar de nomes que nos serão mais caros, Baudoin, David B., Fabrice Neaud, Dominique Goblet, Bem Katchor, já para não falar de autores portugueses, mas compreende-se perfeitamente, no mundo em que estamos, que se entenda Moore como “a mais importante figura singular a mudar o equilíbrio de poder e influência na banda desenhada mainstream do artista para o escritor” (vii). Isso é totalmente verdade no panorama norte-americano, onde emergiria a aura de estrelato a autores-escritores como Gaiman, Morrison, Rucka, Millar, Ellis e outros, já que a esmagadora maioria da fama era repartida pelos artistas (p. ex., Bob Kane e não Bill Finger) e os só-escritores viviam nas margens dessa produção (cf. Pekar).
Berlatsky age como “coleccionador e editor” (xvi) e, como ele próprio admite, não estão nem todas as entrevistas (o que seria um disparate), nem sequer as mais famosas (uma vez que algumas são de acesso relativamente fácil, por estarem online, ou que podem vir a ser alvo de edição própria, como aquelas dadas ao The Comics Journal), nem ainda, as incluídas, na sua extensão completa. É para isso que serve o trabalho de edição: balançar o material em mãos e moldá-lo com alguma pertinência para o projecto em questão. Assim, a leitura destas entrevistas por atacado tenta que haja o mínimo de sobreposição temática possível, abordando-se sobretudo - e de uma maneira não só cronológica como dando a ver as circunstâncias de cada momento - as práticas de trabalho de Moore, as suas formas de abordagem técnica, o seu posicionamento cambiante face às circunstâncias cambiantes do mundo da banda desenhada nas suas vertentes criativas, estéticas e de negócio. Mais uma vez, e em contraste com o tom biográfico/biografista de Storyteller, o foco destas conversas vai ao âmago das opiniões, marcadas e francas, e muitas vezes bem-dispostas, de Moore sobre uma miríade de assuntos, não só sobre o seu campo de expressão, como toda a vertente política que a circunda.
Moore explicita repetidamente o quão importante é o trabalho de colaboração (algo que havíamos sublinhado quando da leitura de Storyteller), tecendo elogios e descrevendo com sapiência e admiração o trabalho dos seus colaboradores, ou melhor, co-criadores, e descrevendo a forma como incorporava ideias, apontamentos e tratamentos dos mesmos na condução da sua obra. Por exemplo, nas suas divertidíssimas desconstruções do trabalho de Chris Claremont em X-Men, que muitas vezes escrevia à margem do trabalho imagético, Moore, tomando como exemplo Eisner, declara que “penso que se podem criar boas personagens na banda desenhada. Não o escritor, mas o escritor e o artista” (15, sublinhado no original). No entanto, e como correlato de tudo o que se disse, muitos dos seus seguidores - à margem de Barthes e Foucault - seguem-no a ele, o escritor, e o seu universo de referências - seja ele trazido a lume pelas magníficas linhas de Campbell ou pela mediocridade de um Jacen Burrows.
A lume, então, a sua voz.
Nota: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.

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