28 de fevereiro de 2009

Eiko de Akino Kondoh (Le Lèzard Noir)

Those crazy japanese. 2 de 3. (continua daqui) O livro de Kondoh segue o mesmo esquema do de Aida. Em primeiro lugar, faz-se uma apresentação da sua produção artística, que conta com pintura, animação e objectos que nos recordarão os de Lygia Clark, pela sua dimensão táctil, utilitária, despertadora de sentidos e memórias do seu utilizador. Aliás, o ensaio que abre o livro insiste na ideia de que o trabalho de Kondoh permite o despertar de memórias (sobretudo da infância) junto aos seus espectadores ou leitores, o que é corroborado pelo menos por uma das histórias incluídas na segunda parte, ou no “outro lado” do livro. Eiko é um título genérico para uma colecção de sete histórias curtas produzidas entre 1998 e 2002, mas todas elas gravitam em torno de um grupo de características comuns: raparigas em idade escolar, quase sempre com os famosos uniformes “de marinheiro” típicos das escolas públicas no Japão, explorando as suas memórias e sensações dessa fina linha que separa a vigília do sonho.

Pois para além da memória, um outro tema se me avizinha recorrente, senão mesmo estruturante, na obra de Kondoh, e que está muito próximo da estratégia gráfica de David B., por exemplo: a indistinção, no plano de composição, na presença gráfica, daquilo que chamamos de “realidade” e aquelas sensações de que nos apercebemos partirem do “sonho”, ou mesmo da “fantasia”. Não é que o que vejamos representado seja algo que esteja a ocorrer mesmo na realidade diegética, visível ou experienciável pelas restantes personagens, mas essas mesmas sensações oníricas ganham direitos de representação idênticos aos demais objectos. O que permite jogos de padrões, simetrias, e ilusões magníficos, e em que o preto-e-branco e o esculpir das pranchas da autora apoiam de um modo cabal.
Essas características temáticas e formais, em que por exemplo a presença de insectos como as joaninhas ou a borboletas são constantes, e o princípio da metamorfose aplicado ao valor intrínseco da criação de imagens (e não à concorrência do princípio de realidade previsto mesmo nas histórias maravilhosas), está presente nos filmes de animação de Kondoh, acessíveis no Youtube (abençoado seja!), como por exemplo The Evening Travelling, Ladybug Requiem (infelizmente sem a música original, mas tentem escutar ao mesmo tempo “There’s a River in the Valley” dos Thee Silver Mt. Zion, que funciona na perfeição) e outro de que não posso traduzir o título, ainda que entenda pertencer à série de filmes sobre joaninhas.
A loucura de Akino Kondoh não é tão severa como a de Aida (v. acima), e muito menos do que a de Nemoto (abaixo), mas não deixa de revelar uma dimensão negra, fantasmática, uma espécie de terror não dito, não formado, ainda por chegar (e finalmente aterrorizar), que se encontra imediatamente abaixo da superfície da vida das jovens raparigas de quem testemunhamos pequenos episódios. Há tanto de Maruo como de Isabel Carvalho nesta aproximação. A imagem de rodar uma pedra e descobrir um grupo de insectos borbulhando por baixo é citada várias vezes ao longo das histórias, e do ensaio, de Eiko, e essa talvez seja a ideia de promessa ainda não cumprida delas mesmo: um objecto sob o qual sabemos estar uma vida minúscula, cheia de verve, mas que nos causa uma estranha impressão, que não desejamos tocar, uma aversão irracional, com a qual preferimos não ser confrontados, mas ainda assim somos por ela mesmo levados a virar a pedra, só para ter a certeza... É por meio dessas sensações embrulhadas umas nas outras que se encontra o sinal pelo qual operam estas histórias de Kondoh.
(continua aqui)

1 comentário:

Richard Câmara disse...

Se puderes, gostava que me mostrasses este livro quando voltar a Lisboa na Páscoa...

Um abraço
Richard