10 de dezembro de 2008

Ollaan Nätisti. Anna Sailamaa (Huuda Huuda)

Já nos havíamos cruzado com Anna Sailamaa nas páginas da Glömp no. 9, precisamente com uma das histórias reunidas nesta pequena publicação. Ollaan nätisti é traduzível por “portem-se bem” (esta publicação é em finlandês mas tem uma tradução inglesa no pé da página) e é um dos recados que o pai dá aos seus três filhos, um menino e duas meninas, uma das quais, presume-se, é a própria Anna, a menos que estejamos aqui perante um exercício de auto-ficção ou de uma inscrição dissimulada da autora real no corpo das suas personagens.
As guardas do livrinho [imagem a seguir] mostra uma espécie de constelação, de manchas de pontinhos que, acumulados, parecem fazer uma estrela brilhante, as quais despedem raios fazendo todas as ligações possíveis. É como se se tratasse de uma imagem metafórica que quer representar a ideia de família, e é exactamente à família que estas histórias são dedicadas. Em primeiro lugar, cada uma das 5 histórias que compõem Ollaan nätisti é intitulada com um dos membros da família: “Avó”, “Irmã”, “Mãe”, “Irmão” e “Pai”. Mesmo que uns surjam nas outras histórias, é aquela que se encontra destacada no título que assume o protagonismo do retrato, ainda que a focalização esteja sempre perto de uma das filhas, presumimos nós que Anna. Em segundo lugar, porque apesar da idade dessa personagem-filha se alterar de história para história, não apenas surge como condensadora dessa constelação familiar como orientadora das restantes relações. Ao longo desses episódios descobrimos a típica flutuação de humores entre os membros de uma família, da rivalidade à parvoíce fraternal a discussões mais sérias, até ás marcas profundas que os pais deixam de um modo quase negativo mesmo que eles não o tenham feito com essa intenção. O problema é que as intenções usualmente dão frutos de sinal contrário ao previsto, e isso é particularmente verdadeiro no seio de uma família.
Não se pense estar perante um livro que explora essas maleitas e crises de um modo directo ou dolorido. Com a excepção da última história, não há acesso ao pensamento interno das personagens, ou a uma voz narradora que, pela sua própria existência, tem necessariamente de se afastar do nível da diegese. É somente pelas relações estabelecidas em cada curto relato, e o seu acumular e passagem de um capítulo ao outro, e pelas suas vozes dialogantes, que construímos uma ideia flutuante dessas mesmas relações... flutua tal qual uma constelação, já que o desenho unindo as estrelas não existem objectivamente mas são modos dos seus observadores (nós) as mapearmos para nosso maior conforto e controlo do universo.
Uma vez que os episódios foram sendo criados para várias outras publicações, conforme as suas circunstâncias específicas e condições de produção, notar-se-á no trabalho de Sailamaa alguma diferenciação de traço de história para história: aqui parecem ser as figuras criadas por pinceladas de tinta-da-china, ali traços descomprometidos a caneta, onde a perspectiva e a volumetria é preterida em nome de uma óptica mais dinâmica e que talvez deseje traduzir o olhar infantil (de então, do momento representado).
A composição das páginas é muito simples, quase sempre de um modo regular e rectilíneo, mas isso apenas evidencia a liberdade da figuração e a dinâmica líquida das sensações. Tal como uma família, cujas ligações podem ser descritas de modo linear e nuclear (papá-mamã-filhotes), mas nada dizem dos modos como as paixões se instalam no seu interior.
Nota: agradecimentos a Marcos Farrajota, por ter actuado como dealer. Entre nós, à venda na Chili com Carne.

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