10 de novembro de 2005

True Porn 2. Vários artistas (Top Shelf)


Este é o segundo volume de uma antologia que parte de um simples convite pelas suas duas editoras, Robyn Chapman e Kelli Nelson, que também participam no livro como autoras) feito a conhecidos ou menos conhecidos ou até ilustres desconhecidos de contarem, sob a forma de bandas desenhadas, quaisquer episódios que lhes tenham acontecido, de facto, de um foro sexual, de preferência pornográficos. O resultado é interessante, sem ser brilhante. O que não nos surpreenderá, quer por o objectivo não ser somente pornográfico (com resultados de vasodilatação no leitor ou leitora), quer por os talentos serem muito diversos. Mas pode ser visto como uma espécie de catálogo (para maiores de 18) do trabalho destes autores, já que o seu site e as páginas (“classificados”) finais fazem uma breve apresentação dos mesmos, com contactos directos.
Neste segundo... uh... prato, as minhas atenções demoraram-se sobretudo na história de descoberta sexual de Lucas May (apesar dos desenhos de Ed Malys serem algo desengonçados, apesar da drástica mudança relacionada com os tempos narrativos das personagens), na fantasia debilitada de Mike Dawson, a descoberta dos prazeres magníficos de uma dextra masturbação por Erika Moen, o combate moral de Kazimir Strzepek (na minha modesta opinião, o rapaz não sabe o que perde...).
Mas a descoberta reiterada (pois já no primeiro volume me tinha surpreendido) é a de David Bessent, que me parece ser um autor a tentar descobrir. Se bem que tenha falado de histórias favoritas, David Bessent é uma excepção a essa “lista” e à comparação possível entre elas. Não me parece ter muitos trabalhos publicados, mas os que surgem em True Porn são francamente intrigantes, sobretudo este último, Faux-Kiss. Há como que uma mistura de um livre absurdo na vida do protagonista (ficção sobre o próprio autor?) e uma reserva no ritmo, na maneira como o expressa. Os desenhos recordam-me algumas das experiências com “banda desenhada industrial” de Françoise Mouly, apesar de Bessent ser um virtuoso de anatomia e realismo, não obstante os grafismos de excepção.
Algumas outras parecem simples jantares requentados, como o que parece ser uma variação de uma prancha de Peter Kuper (na ideia central) por Ellen Lindner, uma descoordenação imagem/texto à la Ware por Dan Hernandez, uma anedota infantil repetida de Rina Ayuyang, etc....
Outro fruto interessante desta antologia é que prova não existirem fronteiras definidas dos papéis sexuais: as histórias contadas por mulheres não são mais “dóceis” que as por homens, as dos homossexuais não mais “desregradas” que as dos heterossexuais, as dos “experientes” não necessariamente mais interessantes que as dos “virgens”. Por uma vez, carinhosos episódios de mominhos contidos e “badalhoquices” andam de mão dada num mesmo território. Ideia repentina: excelente presente de namorados! Mas protejam-se.... Posted by Picasa

The Octopi and the Ocean. Dan James (Top Shelf)


Dan James é um conhecido ilustrador, cujo diverso trabalho pode ser visto no seu site pessoal. Na Top Shelf já havia publicado um outro título, Mosquito, no qual aliava a sua profissão a uma aproximação mais narrativa, com frutos discutíveis. Outros exemplos podem ser vistos no site indicado, inclusive a história incluída na antologia Blood Orange.
The Octopi & The Ocean é a história simples da batalha que durante milénios se deu entre os polvos e os tubarões debaixo do mar, e a ajuda que os homens poderão dar aos primeiros... Pensava que poderia ser visto como uma destas novas aventuras na banda desenhada infantil por artistas com talentos treinados noutros campos, como a série Little Lit, de Spiegelman e Mouly, o Spiral-Bound, já aqui discutido, ou o Good-Bye, Chunky Rice, de C. Thompson todas as séries deste grupo de autores franceses como Sfar, David B., etc., ou ainda algumas experiências felizes entre nós, como as de João Paulo Cotrim. As primeiras e últimas páginas, que se apresentam como num patamar acima do da narrativa central, são de uma soberba e simples apresentação gráfica, muito equilibrada entre texto e imagem, fazendo convergir as técnicas e os métodos do pictograma, de uma flexível estruturação de elementos rígidos, de uma redução “étnica”, da iluminura... A história propriamente dita não deixa de ter o seu interesse em termos de arranjo da prancha, do “silêncio” cortado por balões com desenhos ou por um convite escrito em inglês, dos elementos em segundo plano em relação à acção, dos detalhes e da forma como a narrativa se compõem, mas jamais abandona um nível muito básico, que, a meu ver, arruína precisamente a qualidade dessas páginas supra-diegéticas de que falei.
Talvez se o autor tivesse conseguido manter essa mesma linguagem em todo o livro, tivesse atingido um projecto insólito mas refrescante, como quando descobrimos o que era até à data inimaginável nas profundezas do oceano da criação de banda desenhada. Não o fazendo, e terminando-o por o encerrar numa menos arriscada aventura - e talvez uma preocupação em tornar inteligível e “universal” Octopi... -, acaba por parecer ter revolvido a terra debaixo das águas, levantado a poeira, para depois a próxima corrente colocar tudo no seu sítio devido. Posted by Picasa

6 de novembro de 2005

Metamorfina. Miguel Mocho e João Sequeira (Bedeteca de Lisboa)


Já era largo o tempo que separava o último LX Comics deste novo, apresentado com um novo design (se bem que a diferença não seja assombrosa). Não me atrevo a afirmá-lo de forma cabal, mas parece-me que a falta de mais números se reparte por problemas de cariz institucional por um lado (e a crise que nos cabe a todos) mas também pela falta de propostas realmente apetecíveis de editar. Este é um projecto interessante, aberto a quem bem entender se lançar numa primeira obra ou num projecto mais controlado, mas nem sempre os autores existentes parecem querer agarrar essa oportunidade.
Metamorfina não destoa dos restantes Lx Comics, mas também não me arece se destacar substancialmente. Inscrevendo-se numa certa continuidade da estética choque e bruta de toda uma escola já provecta da banda desenhada independente (não só portuguesa), assistimos ao problema de um homem e do seu maldito pé. Comédia Negra, Horror Diluído, Teatro do Absurdo, são alguns dos epítetos passíveis de utilizar ao nos referirmos à sua diegese. Os desenhos (uma vez que Miguel Mocho e João Sequeira não são associados a nenhuma das "metades" da criação e eu não perguntei, presumo serem ambos os autores de tudo) são apresentados de uma forma excessiva, teatral, com focos como que em "lente olho de peixe", o corpo abusado nas suas formas, de cabelos esvoaçantes e gestos hiperbólicos... aumentando assim o frenesim e a rapidez com que as acções se sucedem umas às outras. O texto é falsamente "literariazado", ora curvando sobre construções cuidadas ora despojando-se num grito mais vernacular: "O cutelo jazia no chão, junto a um resto de tecido das minhas calças e ao sapato ensopado em sangue. Dentro deste, ainda palpitava o que fora o meu pé". E apesar de usualmente não gostar de letragem mecânica, o uso de letras dactilografadas apenas aumenta o peso e a distância absurda deste texto, sublinhando sempre o aspecto negramente cómico da situação.
O texto de apresentação fala de "kafkiano" mas, mais uma vez, isso é falso e obriga-me a invectivar as pessoas a (re)ler Kafka com atenção. O obsceno e o violento sempre foi apresentado com razões diferidas ou entregues a uma fugidia instância. Metamorfina é mais chão e directo nesse aspecto, e volto a indicar a tradição em que se inscreve. Posted by Picasa

Roteiro Breve da Banda Desenhada em Portugal. Carlos Pessoa (CTT)


Saberão aqueles que me lêem, e me conhecem, que é muito lento e paulatino o processo que me tem levado à escrita sobre banda desenhada, e que muitas vezes passa por experimentalismos vários, metodologias mais inflexíveis aqui (ensaiando-as), pensamentos mais livres ali. No entanto, é nessa busca, nesse esforço nem sempre coroado de êxito – algumas das aproximações que fiz sinto-as não só ultrapassadas, como até mesmo erróneas -, que se vai formando uma Ideia. Quando escrevi um artigo sobre a ausência de uma verdadeira crítica da banda desenhada em Portugal, salvo raras mas iluminadoras excepções (cada uma com as suas qualidades e fraquezas), fui acusado directa ou indirectamente de várias coisas, mas quase todas falhando o alvo da crítica possível: o meu pensamento. Ainda hoje, e como a outros autores de pensamento sobre a banda desenhada, acusa-se de “intelectuais”, por querermos articular a produção da banda desenhada num mais amplo património cultural, num mais vasto panorama artístico; de “chatos”, por aqueles que simplesmente têm falta de tempo, esforço ou até mesmo capacidade em tentar gerir mapas de leitura e cruzamentos de referências; “desinteressantes” e “desnecessários” por aqueles que julgam a banda desenhada uma espécie de feudo que devem defender até à morte, pois o que defendem é o seu pequeno saber, a sua pequena paixão, a nostalgia de roupão, a fantasia infantil que ainda não se transmutou em vida adulta; “polémicos”, como se todos devêssemos caminhar num rotundo, monástico silêncio, um respeito boçal pelos “grandes autores”, e não levantar ondas, e como se não fossem os “escândalos” (vejam a etimologia da palavra) precisamente o dispositivo que nos ajuda a saltar e avançar. Entendo, assim, que os anti-intelectuais me achem chato, desinteressante, polémico e até mesmo intelectualóide. Mas não poderão jamais negar que procuro construir uma pensamento mais ou menos articulado sobre a banda desenhada, nos seus mais variados avatares, nas suas transmutações várias, nos mais variegados azimutes de géneros e inclassificáveis, produção e fruição, objectivos e estruturas. E aceito a discussão aberta de todas e quaisquer afirmações que faça. Nem todos os artigos deste blog primam pela melhor qualidade, nem são todos do mesmo tom. Alguns são pequenos reparos, outros mais seriamente articulados, outros ainda pequenos fait-divers do momento, quase inconsequentes. Mas gostaria que no geral eles contribuíssem para um entendimento de que é possível, e até mesmo necessário para a evolução do entendimento da banda desenhada num termo mais geral, num discurso sobre esta arte. Não são os artistas que aprenderão com estes textos (compete-lhes simplesmente criar, melhor ou pior), nem os editores (que continuarão a gerir-se necessariamente por outras estratégias), nem os fãs (que continuarão a pautar-se pelas pulsões e inclinações que lhes saem do corpo e espírito). Mas poderão ajudar, eventualmente, a leitores usando de um certo discernimento, ou a quem pretender debater as questões que poderão surgir no seio deste modo de expressão. Poderão. Ou não. Mas a efectividade dessa estratégia só se nega ou confirma pela discussão séria, balizada e calma, não pelo bate-boca. Agora só falta dizerem que esta invectiva segunda não é mais do que a jactância e amor-próprio. Quer dizer, é, claro, mas onde é isso negativo, quando se tenta assumir a possibilidade da actualização discursiva?
O meu problema com muito do que se escreve nos jornais sobre banda desenhada não é o facto de serem más críticas (mas boas peças de jornalismo). É o facto de se quererem por vezes passar por instituidoras de um juízo de gosto quando não passam por qualquer critério, princípio, ou pressuposto teórico-metodológico. Partem da circunstancialidade e da doxologia, e nela se ficam e se resumem. Não citarei nem nomes nem excepções, pois cada um saberá de quem falo, quem incluo num grupo e noutro, e o barrete servirá a quem o aprouver. Há quem escreva bem, informativamente, que faça excelentes cruzamentos de referências, aponte linhas de força indubitavelmente produtivas, avance propostas fulgurantes de interpretação ou de valor estético. Sem dúvida. E também há quem se resuma a dizer as mais crassas banalidades sobre “os quadradinhos” e as mais patéticas confissões d’alma, como se movendo o (seu) leitor pudesse altear um qualquer valor intrínseco do livro ou obra, artista ou escritor de quem fala. Aqui é que reside a mais grave e frágil crise da esmagadora do que se produz em termos de pensamento da bd: a falta de uma Ideia. Não é a falta de “Ideias igual à minha”, atenção. Não sou assim tão obtuso. Há quem escreva e se paute por linhas diferentes da minha, mas que, como Voltaire, defenderei até à morte o seu direito de as dizer. Para já porque essa divergência contribui para que eu próprio pense numa outra direcção, e exista um diálogo de contraditórios salutar. É a falta absoluta de uma Ideia que articule o assunto ou objecto de que essa determinada pessoa pretende falar ou escrever.
Existe toda uma História, toda uma História da Arte e das Artes, da Literatura, e que mais outras disciplinas filosóficas, metodológicas, científicas, contributivas ao pensamento estético... Não penso que é necessário saber-se “x” ou “y” para se escrever sobre banda desenhada por exemplo, saber-se muito sobre cinema húngaro ou assinar-se a October), mas penso que é imperativo que exista uma qualquer linha de fuga do pensamento para que ajude o autor a escrever. Pois essas linhas são o que provocarão as ligações necessárias ao entendimento sobre a banda desenhada e à articulação do pensamento próprio.
Ora, o grande problema do Roteiro Breve da Banda Desenhada em Portugal é precisamente por primar pela falta de uma articulação desse tipo. O objectivo, sejamos francos, é atingir um público muito vasto e com um interesse tangencial pela banda desenhada, não directo. O livro não é barato, fazendo parte dos volumes que os CTT editam como objecto de coleccionismo filatélico, cujos interesses específicos podem ou não coincidir com este tema particular, equiparável a, por exemplo, “O azulejo português” ou “As telecomunicações em Portugal”; é um volume portanto acompanhado pelos selos a coleccionar. O texto de Carlos Pessoa, reconhecido jornalista do Público, serve para ilustrar uma ideia muito geral sobre a banda desenhada, que é corroborada por um grafismo mais de rápida consulta que de análise. Se levarmos cada uma das palavras que compõe o título literalmente, então este livro cumpre na perfeição esse mesmo objectivo. Não é mais que um roteiro – pois não se aproxima de modo algum com as obras de História da Banda Desenhada (portuguesa ou em Portugal) existentes no mercado -; é de facto breve - mesmo ao nível das frases, informativas, directas, e que resumem a apreciação à adjectivação ou meia dúzia de epítetos -; e são poucos os passos onde se fazem associações com um panorama mais geral, para além do nacional. Repito-o, para o objectivo proposto, está cumprido e não há nada a dizer.
No entanto, esta seria uma oportunidade em que uma tamanha plataforma visível, nas mãos de um autor respeitado e responsável, se poderia tornar num excelente instrumento de sedução, de divulgação até de um leque, mesmo que reduzido, significativo dos valores mais fortes da banda desenhada portuguesa. Mas isso não é feito. É uma espécie de resumo de outras publicações mais densas, de História (mas que também é discutível, pois as mais das vezes são meros repositórios cronológicos de informação, sem quaisquer considerações sociais, culturais, filosóficas), numa espécie de acumulação de datas, nomes e dados, como se nessa própria folia acumulativa se esperasse que nascesse um qualquer sentido.
O facto de se tratar de uma edição de divulgação também não é desculpa, pois bastará, nesta mesma colecção, consultar o volume dedicado ao Padre António Vieira, de Aníbal Pinto Castro. Este autor reconhecido, filólogo e Professor especializado na Literatura Portuguesa apresenta nesse dito volume um texto, ainda que mais simples em relação aos seus artigos e obras académicas, estudos e introduções, ainda assim articulado por uma ideia. Não se restringe, portanto, a um “apanhado” ou a uma “súmula”, mas sim a uma reconsideração de forma a apresentar o seu objecto de um modo específico e interessante conforme aos fins do meio em uso. Não é, infelizmente, o que sucede no livro aqui estudado.
Há outros problemas mais discutíveis, com um gritante caso para a banda desenhada contemporânea portuguesa, dadas as escolhas, focos, ausências, presenças, falhas em canalizar a informação ou ser-se mais equilibrado, mas lá está, a desculpa do espaço, dos objectivos, e outras estarão sempre em frente neste tipo de fragilidades. Gostaria de dizer que se esperava mais, mas na verdade, tendo em conta o trabalho desenvolvido por Carlos Pessoa, e outras publicações anteriores, é precisamente uma apresentação crua, factual e pouco articulada em termos de conceito e reflexão que se previa.
Última nota: Não entendam nada disto pela maldade. Abomino o ataque pessoal. Eu não conheço pessoalmente Carlos Pessoa, e imagino tratar-se de uma pessoa afável e, seja como for, enquanto cidadão livre e pessoa, merece todo o respeito da parte de todos. O que aqui escrito está é em relação ao livro, aos textos apresentados, à metodologia (ou falta de) que segue. Se bem que se trate possivelmente de um livro interessante, coleccionável, e até uma bem disposta e descontraída introdução a quem nada sabe da banda desenhada portuguesa, e cujo propósito não poderia ser mais claro e objectificado no título, é praticamente ineficaz para quem deseje aprofundar os conhecimentos, até mesmo em termos factuais. E para quem busque algum tipo de instituição de análise, que permita um primeiro movimento de divisão em elementos analisáveis, para passar a uma analogia e, finalmente, a uma sucessão que leve à síntese, Roteiro Breve da Banda Desenhada em Portugal é nulo. Li outros artigos sobre a mesma publicação, onde a linguagem às vezes não é mordaz mas mordente. Ainda que possa concordar com pontos assinalados nessoutros textos, não assino esse tom público da discussão.Posted by Picasa

Nemo no Século XXI. AAVV (Geraldes Lino)


Para além ou com o jazz, Nemo no Século XXI, reúne 18 pranchas que homenageiam a obra-prima (uma das provas de que a banda desenhada dispensa qualquer tipo de comparações com outras artes quando precisa de falar de potencialidades bem expressas e concretizadas) de Winsor McKay, Little Nemo in Slumberland. Como será de esperar, por todas as circunstâncias e atenuantes, não estamos perante 18 excelentes trabalhos, mas todos eles são, pelo menos, competentes e bem acabados. Não há nada de “amador”, num sentido algo pejorativo desta palavra.... Mas também não encontro nada de brilhante, mesmo daqueles autores que têm uma experiência invejável ou um ritmo de produção/publicação francamente bom.
A maioria das histórias alia a ideia aos conceitos de “sonho” a “quimera” ou “utopia”, na sua acepção sócio-política: Ricardo Ferrand, Zé Manel, José Carlos Fernandes, Jorge Coelho, Manuel Souto, mais levemente Carlos Moreno e acrimoniosamente Manuel João Ramos. Outros optam por marcar a efectiva efeméride em questão, Carlos Moreno e Carlos Marques, e de um modo subtil, Mota. Existem também os esperados cruzamentos com a realidade portuguesa (Ferrand, Zé Manel, Ricardo Cabrita, J. Morim, Moreno, M. Souto), outros géneros como a ficção científica ou o erótico (J. Mascarenhas no primeiro, Álvaro no segundo, e Pepedelrey em ambos), e, claro está, a plasticidade própria do sonho, com as histórias de Susa Moneiro, Rui Lacas, Paulo Monteiro e Pedro Nogueira. Quanto a mim, que a mim me cinjo, a minha preferência recai nesta última “família”, pois são, pelos menos plasticamente, as mais interessantes pranchas da colecção. Acrescentando ainda a de M. Souto, que, talvez pela proximidade de mais uma provação nacional, a de escolher o Timon... perdão, Presidente da Repúbica, se torna particularmente mordaz. De facto, fosse apenas uma indigestão de sardinhas... (“e de plástico, que seria mas barato”, diria O’Neill).
No geral, é uma edição interessante, válido e louvável, mas é também uma prova de que muitos dos autores (jovens ou não, pouco importa a distinção) ainda não são capazes de produzir trabalhos de uma espontânea e tangível qualidade quando “por encomenda”... De acordo com o editorial, presume-se que a Efeméride (o verdadeiro título da publicação?) seja uma publicação regular, marcando, como diz, as “datas redondas”, e homenageando figuras incontornáveis na História da Banda Desenhada. Posted by Picasa

SketchBook. AAVV (Estúdio de bd/AJCOI)


Bom, não há muito a dizer desta publicação, uma vez que apenas tem duas histórias (sendo mesmo o objectivo, o de publicar sempre duas histórias de dez páginas a cada número). É mais uma das inúmeras com editoriais em que prometem uma “pedrada no charco” na cena nacional, mas desde sempre que o nosso pequeno lago estagnado recebe muitas pedradinhas com cascalho... Se houver quem participe e com força, ainda veremos. Ambas as histórias nada de assombroso nos trazem, e para quem conhece o trabalho de Daniel Maia, também não são estas páginas que nos surpreenderão. O seu trabalho tem uma franca e invejável qualidade, dentro do género, mas, como na publicação se indica, esta é uma história velhinha. E de “cenas da gaveta”, estamos conversados. Talvez merecesse de facto que se vasculhassem os sketchbooks dos artistas, se fossem todos tão profícuos e magníficos como os de, por exemplo, Joan Sfar ou, entre nós, João Cabaço, o que penso não ser o caso.
Bem-vindos sejam, portanto, mas ponham as pilhas. Posted by Picasa

Blazt. AAVV (Blast)


Não vos será difícil descobrir quais os caminhos que levaram ao surgimento desta publicação, já que os autores/editores fazem todo o historial no texto de apresentação. O objectivo é simples... e daí talvez não. Contribuir para a emergência de um mainstream de banda desenhada em Portugal. Bem-vindos sejam. Apesar dos meus gostos pessoais incidirem mais para um outro tipo de busca estética (nem sempre, claro, basta ver os títulos de que falo), concordo que só na existência de um sólido mercado “normal” é que se ergueriam outros mais projectos. E é caricata a situação no nosso país em que os autores com mais destaque e trabalho e prestígio sejam normalmente de uma certa “tipologia” que, em países com a França, Espanha ou Estados Unidos, estariam no círculo dos “independentes” e “underground”....
Mas o mainstream é mesmo isso, estar no centro do rio de caudal mais grosso, ir com a enxurrada e ser-se pouco mais que derivativo de mais uma mão-cheia de outros nomes. Bastará olhar para os trabalhos aqui incluídos. Se bem que a apresentação gráfica do próprio objecto-revista seja cuidada, quase profissional, o papel lustroso e as cores não ajudam a salvar a falta de qualidade dos argumentos lineares e os fracos dons artísticos aqui reunidos. Não é trash, de modo algum! Mas se os desenhos de Ricardo Cabral são muito promissores e nos dão vontade de descobrir mais ou mesmo folhear todo um livro, os restantes contributos pecam por uma série de clichés já habituais nestes círculos: os rostos de João Paulo Baptista ecoam um derivadíssimo neo-manga europeu e os sépias e restantes estratégias servem para o disfarçar; a vinheta da mão sobre a maçaneta de João Martins não devem nada a Thomas Ott, mas a montagem é desequilibrada entre as pranchas e o argumento um pouco tipificado; a “Lorelei” de Ana Sousa, parece demonstrar um desses clássicos erros de divórcio entre uma “ideia” (gráfica, suponho) e a sua concretização; os desenhos de Tiago Albuquerque são interessantes mas num diálogo mal-aplicado com a história que se conta; a história de Ricardo Pires Machado, não obstante o seu moralmente inatacável objectivo, incorre num tipo de poeticidade que não tem outro nome senão “piroso” (e sim, sou “amoral” no que diz respeito à apreciação estética). O facto de se incluírem informações laudatórias destes autores e prémios atribuídos não ajuda à sua apreciação directa.
A história de Hugo Almeida, finalmente, parece-me ter uma potencialidade que apenas não foi cumprida por falta de “apertar uns quantos parafusos”. Quer dizer, sinto que os elementos estão lá, e até mesmo uma estrutura, mas falta-lhe um ingrediente final. É quase detestável dizer isto, mas será experiência? Só o tempo e mais trabalhos destes autores o dirão...Posted by Picasa